domingo, 20 de julho de 2014

NIETZSCHE - CRIAR É SE SUPERAR


Não tenho aqui a pretensão de elucidar e nem tampouco querer explicar Nietzsche, uma vez que, penso que, o mesmo, por tão complexo e hermético que é, não pode ser traduzido. Penso mais: que todo aquele que tem a pretensão de traduzir Nietzsche corre também o risco de traí-lo.

Objetiva-se aqui apenas fomentar o diálogo e a problematização acerca de questões que, a meu ver, tem sido mal colocadas e/ou desvirtuadas por parte de alguns ditos filósofos pós-modernos a respeito dos principais axiomas de Nietzsche.

I- Nietzsche, embora não saibam muitos, critica a moral judaico-cristã e também os auspícios da ciência no que se refere à busca desta pela verdade. Todavia, sua crítica, em nenhum momento, o coloca na condição daquele que faz apologia às imoralidades, às libertinagens e/ou a criação de novos dogmas para serem postos como ditas verdades.

II - Sua obra o "Anticristo" não se trata de uma apologia ao ateísmo, mas de uma visão sobre o que fizeram de Deus e também de uma configuração sobre o niilismo provocado pelo Antropocentrismo ao Teocentrismo com o surgimento da era moderna. Nietzsche, por exemplo, diz-nos: "(...) eu somente creria num Deus que soubesse dançar..." 

III - Vontade de potência, em Nietzsche, diz respeito à importância da busca do homem pela sua superação enquanto ser humano, ou seja, diz respeito ao alcance da plenitude de sua humanidade. E ele nos diz: "o homem é uma ponte e não um fim... o homem é uma ponte que vai do animal para além dele mesmo... e é perigosa essa travessia..." 

IV - Ser "humano, demasiado humano", para Nietzsche, não é um Ser se tornar escravo dos seus próprios maus e/ou supostamente auto ditos bons instintos; não é se tornar escravo do seu próprio corpo, dos seus desejos, ainda que se julgando, nesse tortuoso caminho, estar seguindo em oposição férrea às ideias e/ou aos ditos ideais Platônicos. Ser “humano, demasiado humano”, para Nietzsche, frise-se: é apenas pôr-se a exercitar-se como artista, isto é, é buscar ser capaz de criar e recriar novas formas possíveis de existência. Para Nietzsche, voltar-se para a arte, para o “que fazer artístico”, para a criação de novos sentidos para a vida, já é questionar e/ou revolucionar todas as formas antigas ou modernas estabelecidas de ditas verdades.

V - Nietzsche diz-nos mais: "se criar é ultrapassar-se, a criatura deve sempre buscar ultrapassar ou prevalecer sobre o seu criador." 

VI - Para Nietzsche, todo aquele que cria valores novos, inevitavelmente destrói e/ou questiona aqueles que, anteriormente, tinham sidos criados. Entretanto, o super-homem defendido por Nietzsche não deve ser entendido como um corruptor, mas apenas como um criador de novos sentidos, de metáforas, e não como um suposto legislador de novas ditas verdades.

VII - Nietzsche, em vários dos seus escritos, fala-nos, por exemplo, da necessidade da existência de três transformações no espírito e, sob as quais, deve ou deveria passar o Ser humano, a saber:
1- o camelo;
2- o leão;
3- a criança.

Numa espécie de metáfora por Nietzsche criada, o camelo, com um número excelso de cargas sobre as costas, está representado pelos homens de cultura judaico-cristã que, sob a forma de dogmas e/ou verdades ditas eternas e imutáveis, carregam-nas e as propagam enquanto verdades eternas e/ou valores ditos absolutos.

O leão, para Nietzsche, está representado pelos homens da era moderna e/ou agora pós-moderna que, motivados pelas ideias antropocêntricas, ao mesmo tempo em que negam e esforçam-se para destruir as ditas verdades judaico-cristãs, colocam em seu lugar, também na condição de dogmas, de cientificismo, valores e/ou saberes ditos científicos.

A criança no espírito, para Nietzsche, é colocada "como um começar de novo; como uma roda rodando por si mesma; como um dizer não diante do que impede o homem de tomar sobre si a sua humanidade", que é entendido como o desenvolvimento, em si, das capacidades de questionar, de dialogar e de criar novos sentidos e valores.

Criar novos sentidos e valores, para Nietzsche, como erroneamente talvez possam pensar muitos, não diz respeito a "inventar ditas novas pessoais e/ou subjetivas verdades" e, na mesma via, se tornar escravo delas, como fazem as pessoas que possuem Camelos e/ou Leões em seus espíritos.

VIII - Para aqueles que acham que Nietzsche pregou ou prega a imoralidade, a amoralidade, a promiscuidade, a poligamia e a libertinagem, enganam-se: ele, Nietzsche, num dos seus escritos, diz-nos:

"se teus cães selvagens estão prontos, loucos para saírem de dentro de ti, querendo ladrar... é porque ainda não conheces de fato o que é o super homem..."

Em seguida, ele complementa-nos dizendo:

"não vos aconselho que mateis os sentidos, mas que haja inocência em vossos sentidos."

Em Nietzsche, procurar estar "além do bem e do mal" não é o mesmo que viver e/ou praticar atos "além do bom e do mau". Não confunda-se, por exemplo, a problematização de valores, sentidos e verdades em Nietzsche com a apologia à prática daquilo que, em qualquer sociedade, é sistematizado e/ou colocado pelos seres sociais como sendo dito atos de maldade ou crueldade. 

Isto é, Nietzsche, em nome da sua filosofia, não se tornou assassino, ladrão, pedófilo, mal-caráter, leviano, libertino, devasso, corrupto, etc., ou seja, um criminoso, uma escória humana, um mequetrefe ou uma aberração qualquer.


É fato que muitos críticos conservadores chamaram Nietzsche de louco. Para estes, Nietzsche, todavia, “humano, demasiado humano” que sempre procurou ser, apenas respondia-lhes:


"(...) O que dizem em mim ser  loucura, chamo-a apenas de saúde interior..."



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