quarta-feira, 31 de maio de 2017

INTELIGÊNCIA TRANSCENDENTAL

I
Quase todo ser humano, ao atingir a sua chamada idade da razão, no encontro da vida social com outros homens e/ou mesmo simplesmente por ter sido lançado no mundo sem ter pedido e/ou sem saber a razão e nem o porquê, num determinado momento de sua existência (em alguns casos mais cedo, em outros mais tarde) tende a se fazer questionamentos relativos a “De onde vim? Onde estou? Para onde vou?” que, inexoravelmente, o levará a passar por:
1-   Náuseas;
2-   Angústias;
3-   Caos existencial.
Ou seja, tenderá a passar por problemas existenciais, onde todos ou quase todos os seus valores essenciais serão postos em xeque, sendo passíveis de mudanças ou quebras, a marteladas, no sentido de Nietzsche. Isto é, depois das náuseas e angústias vivenciadas, imerso num estado de caos, tido este como consequência dessas suas inserções na vida social; tido este como consequência desse confronto direto com os diferentes homens e, ao mesmo tempo, com um mundo hostil que se lhe apresenta, tendo sobre si, na grande maioria das veze, perdas sócio-afetivas, perdas financeiras, quebra das relações de confiança, passando-se, muitas vezes, também, por doenças, mortes de entes queridos, etc., só resta ao ser, a esse ser lançado inesperadamente nesse mundo, três possibilidades:
1-   Voltar, depois desse estado de caos, a ser ele mesmo, continuando-se a ser o mesmo eu, sem realizar mudanças essenciais em si;
2-   Tornar-se patológico, passando a ser considerado, por muitos, como alguém que, devido a grandes problemas existenciais, ficou louco. Isto é, não conseguiu reorganizar-se mentalmente e/ou voltar a si;
3-   Ou, numa outra via qualitativa, transcender: ou seja, construir novos sentidos para a sua existência, tornando-a melhor e/ou mais significativa do que, até então, era ou tinha sido, antes de passar por esses estados de náuseas, angústias e caos existencial.
Em outras palavras, sintetizando, na primeira, o ser não evolui: “quer ser ele mesmo”; “quer continuar a ser o mesmo”; “quer continuar a ser o eu que sempre foi”, ou seja, voltar a sua vida “dita normal”, como se nada de grave lhe tivesse ocorrido, almejando-se, o mais breve possível, esquecer-se de tudo o que vivenciou.
Na segunda, o ser perde a lógica da razão, aprisiona-se, patologicamente, no seu mundo próprio, agora imerso de caos e, ainda que conscientemente, sem forças para se reerguer, se superar, “abdica da tarefa de viver”; “abdica da resolução dos seus problemas existenciais mais profundos” e, à revelia de si, fora da sua consciência e/ou da sua capacidade de superação, “opta pelo abandono de si mesmo”.
Na terceira, todavia, o ser desenvolve a capacidade de transcender, isto é, ele passa a criar e/ou dar um sentido Macro para a sua própria existência, para a realidade em que vive, transformando-a ao se transformar, renovando-se e renovando-a pela renovação do seu entendimento sobre o que vale e o que não vale a pena ser vivido, elegendo, assim, para si, de forma intencional/deliberada, somente valores que, agora, possam ser, para si, realmente dignos da sua existência.
Conceituando: a esse coletivo de capacidades, competências e/ou habilidades (sejam de que naturezas ou áreas do conhecimento forem) que fazem com que os seres, por meio deles, consigam superar e/ou suportarem as suas náuseas, angústias e/ou caos existenciais sem, todavia, terem os seus “Eus” destruídos e/ou dissolvidos na massa humana, e que poucos homens conseguem desenvolver a favor de si, tornando-se capazes também, a partir daí, de darem um real sentido próprio às suas existências, construindo suas identidades, chamar-se-á, aqui, frise-se, de: “Inteligência Transcendental”.
Na unidade I, proporemo-nos a discorrer sobre o que é a Inteligência Transcendental, seguida das devidas fundamentações epistemológicas, pautadas estas sob a forma de amálgamas filosóficos, ou seja, partindo-se do diálogo entre os axiomas de pensadores como os dos filósofos Existencialistas Martin Heidegger, Jean Paul Sartre, Gabriel Marcel, o psicólogo Carl Rogers e, também, sob o olhar do filósofo independente Friedrich Nietzsche.
Na unidade II, seguindo uma metodologia pragmática, não no sentido técnico, mas no sentido da possibilidade de instrumentalização, apresentar-se-ão conteúdos teórico-práticos, a fim de que a Inteligência Transcendental possa também ser - ainda que não de forma utilitarista - utilizada como mais um mecanismo não somente de defesa, mas também de luta e resistência, no que se refere à preservação da identidade do próprio ser pensante, quando em estado dialógico (sócio-interativo), durante os seus processos de encontro/confronto com outros seres, durante a sua inserção na vida social, e, também, com o próprio mundo hostil que se lhe apresenta.
Isto é, apresentaremos conteúdos que permitirão aos seres, nesses encontros/confrontos, interagirem sem, entretanto, deixarem de ser, enquanto seres sociais, quem eles de fato são, não tendo, assim, os seus “Eus” dissolvidos na massa humana; não se transformando nos “mesmos” ao serem confrontados, mas, muito pelo contrário, afirmando-se como os seres que são, enquanto seres particulares e, ao mesmo tempo, também enquanto cidadãos globais ou do mundo.
Esperamos, assim, que esse livro possa ser útil a todos àqueles que, no caminho da busca pelas suas superações, dos seus desenvolvimentos cognitivos, etc., no sentido macro da existência humana, possam também desenvolver, em si, um espírito cosmopolita, ou seja, sintetizando:
1- Serem capazes de serem eles mesmos, mas não os mesmos sempre;
2- Serem capazes de aprenderem com os outros, mas, sem nesse mesmo processo, quererem se tornar cópias de ninguém.
Numa outra via, esperamos também que essa obra possa ser útil à formação de uma geração mais humana e, por isso mesmo, mais capacitada para poder compreender e superar as náuseas e angústias existenciais, sintetizadas e/ou traduzidas a partir da compreensão e/ou da consciência de que, ao nascer, se começa a morrer, ou seja, de que se vive – como diria Martin Heidegger – numa espécie de “marcha para a morte”.
O autor




segunda-feira, 29 de maio de 2017

HEGEL PARA PROFESSORES - O filósofo do saber absoluto


I
 Por que Hegel para professores, o chamado filósofo do saber absoluto? Respondo-vos:
A filosofia de Hegel (1770-1831) a partir do séc.XX experimentou e, ainda hoje – alvorecer do séc. XXI –, tem experimentado um grande renascimento, e tal fato deveu-se e deve-se, em grande parte, a quatro importantes motivos:
1-   Porque Hegel foi redescoberto e reavaliado como progenitor filosófico do marxismo (e não somente por marxistas de orientação filosófica);
2-   Porque a perspectiva histórica (de busca pelo conhecimento) que Hegel colocou em tudo, em sentido geral, além de Karl Marx, influenciou também:
A-  A filosofia de Foucault (1926-1984), com o seu chamado Método Arqueológico;
B-  A filosofia de Nietzsche (1844-1900), com a sua “Genealogia da moral” e com a chamada “teoria das três transformações do espírito” (o camelo, o leão e a criança);
C-  As filosofias de Sartre e Heidegger, com seus diferentes existencialismos, e também as de muitos outros;
3-   Porque, à época, e mais ainda hoje, tem sido crescente o reconhecimento da importância dos seus fundamentos epistemológicos (fenomenológico, sob as bases do seu idealismo dialético) de busca pelo conhecimento.
4-   Porque importantes filósofos (Georg Lukács, Herbert Marcuse, Theodor Adorno, Ernst Bloch, Alexandre Kojève e Gotthard Günther) foram e, outros, ainda hoje, têm sido responsáveis diretos e indiretos pelo renascimento de Hegel, colocando em evidência os fundamentos epistemológicos da sua filosofia ou Fenomenologia do Espírito.  
II
Entretanto, na mesma via, nenhum filósofo foi e/ou tem sido tão mal traduzido ou interpretado quanto Hegel. Sua filosofia foi em muitos casos deturpada de maneira trágica e, até hoje, devido a esse motivo, tem sido incompreendida ou mal compreendida por muitos, na sua maioria professores. Ou seja, muitos que falaram sobre Hegel não sabiam o que falavam ou, sabendo o que falavam, não souberam corretamente dele falar. Certamente isso se deve ao fato de, por ter sido criticado e pejorativamente chamado de idealista por filósofos como Feuerbach, Karl Marx (1818-1883), Friedrich Engels e outros, ter sido também, na mesma via, colocado historicamente na condição de pensador conservador, inatista e/ou pré-determinista como Platão, Descartes e tantos outros, ou seja, colocado na condição:
1-   De preservador das injustiças sociais ou do status quo;
2-   De antirrevolucionário.
III
O que se pode dizer, entretanto, e que se verá ao longo deste trabalho é que o idealismo dialético de Hegel, embora o mesmo conceba a natureza como sendo a manifestação da ideia pura, em muito se difere dos idealismos de pensadores clássicos como Platão e modernos como Descartes, uma vez que, para ele, Hegel, as ideias puras, que dão origem à natureza, não são imutáveis, pois o Ser é concebido por ele como Devir (vir a ser) e, a verdade, dentro desse contexto, é compreendida como algo histórico, ou seja, como aquilo que se manifesta dialeticamente no tempo. Isto é, Hegel, sem sombra de dúvidas, epistemologicamente falando, deu saltos qualitativos em relação a todos os outros filósofos, e não somente aqueles considerados idealistas.
IV
 Mesmo Karl Marx (e Engels), como se sabe, crítico radical de Hegel, ao desenvolver a sua dita filosofia materialista dialética, a sua dita “concepção materialista dialética da história”, se não o plagiou, foi muito pouco original em relação a ele, uma vez que somente inverteu a concepção filosófica do mesmo, ao, por exemplo, defender a ideia de que o processo dialético começa a partir da matéria (natureza) e não da ideia pura, ou seja, desenvolveu praticamente a mesma epistemologia de Hegel e, ao final, apenas sistematizou-a de forma invertida. Isto é, penso que Karl Marx leu tanto Hegel que usou invertidamente o idealismo dialético de Hegel em bases materialistas e econômicas.
V
Não se terá, aqui, todavia, o objetivo de confrontar ou comparar as filosofias de Marx e Hegel, uma vez que, pensa-se que, as ideias do primeiro já se encontram por demais difundidas e conhecidas não somente no meio acadêmico, mas também no universo dos mais diferentes grupos ditos socialistas ou anticapitalistas de todo o mundo.
Pretende-se, aqui, na unidade I, apenas dialogar e/ou estudar, da maneira mais aprofundada e, ao mesmo tempo, didática possível, as ideias desse grande filósofo que foi Hegel, ou seja, buscar melhor compreender a essência da sua filosofia, assim como também as suas importantes contribuições à metafísica, em sentido geral, e à epistemologia, sob as bases da sua fenomenologia do espírito, em sentido específico.
Na unidade II, traremos à tona uma minuciosa e cuidadosa relação dos principais axiomas de Hegel, em consonância com as temáticas desenvolvidas na unidade I, visando-se um aprofundamento do estudo. A partir da unidade III, apresentaremos outros ensaios, discutindo-se problemáticas filosóficas diversas.
Esperamos que, esse livro, de alguma forma, possa contribuir à formação de uma sociedade mais livre, porque mais autônoma, intelectualmente falando e, na mesma via, mais equitativa, democrática, ética e justa, porque também politicamente mais participativa.
O autor


PEDAGOFILOSOFIA CLÍNICA - Psicanálise pedagógico-filosófica existencial-humanista

I
Fruto de anos de estudos e pesquisas nas áreas da sociologia, psicologia e filosofia da educação, assim como também na EJA (educação de jovens adultos), o livro, um aprofundamento de pesquisa que tem como base a tese de doutorado “Filosofia Antropológica e Educação: um estudo sobre o pensamento de Nietzsche e a cultura”, do mesmo autor, explicita diferentes e importantes temáticas no universo da psicanálise existencial-humanista (pedagofilosofia clínica), e que – enquanto amálgama – se coadunam:
1-   A busca pelo entendimento do homem a partir da perspectiva fenomenológica de Husserl, desenvolvida esta a partir do pensamento Kant (ou neokantismo, cujas bases epistemológicas se encontram na obra crítica da razão pura e outras).
2-    A prática psicanalítica pedagógico-filosófica existencial-humanista, enquanto tratamento psicoterápico, como contraponto, crítica e superação à psicanálise freudiana, isto é, fundamentada epistemologicamente:
A - Nos existencialismos de Kierkegaard, Heidegger, Sartre e outros filósofos existencialistas;
B - No pensamento filosófico ontológico de Nietzsche;
C - E nos procedimentos e/ou recursos didático-metodológicos da educação de jovens e adultos, especialmente naqueles que dizem respeito às relações que envolvem ensino-aprendizagem e o desenvolvimento das consciências críticas de si e de mundo.
II
Ou seja, para a pedagofilosofia clínica (psicanálise pedagógico-filosófica existencial humanista), já que o conhecimento é fenomênico; já que a nossa consciência é doadora de sentido; já que toda consciência é consciência “de”; e já que existe o caráter intencional da consciência, frise-se: não se pode também dizer que existe um inconsciente, nos termos de Freud, que possa ser revelado ao analisado por meio de “associações livres”, “interpretação de sonhos”, etc. O que existem são alienações e/ou ausência do desenvolvimento das consciências críticas de si e de mundo (enquanto geradoras de náusea social, angústia, tristeza profunda, melancolia, inautenticidade, depressão e/ou perda do sentido da existência) que precisam ser superadas.
Em outras palavras, chama-se pedagofilosofia clínica o trabalho psicoterápico e/ou psicanalítico pedagógico-filosófico existencial-humanista através do qual, após uma análise do suposto grau de alienação do paciente-educando em relação a si e ao mundo em que se vive, por meio da problematização (dialética e dialógica) de eventuais problemas existenciais apresentados, traz-se à consciência do mesmo a necessidade da busca pela superação (renovação de si por meio da renovação do entendimento), uma vez que, como dito, não parte-se da ideia de inconsciente no sentido de Freud, mas sim:
1-   De Condicionamentos socioculturais sofridos, nos termos da filosófica antropológica[1];
2-   De Hábitos adquiridos através da cultura e/ou dos processos de socialização[2];
3-    De Alienação, como fruto da ideologia do capital e da socialização por fragmentos[3];
4-   De Omissões, em decorrência de ignorâncias (no sentido de ignorar ou de incompreensão das partes e do todo ao mesmo tempo), por parte do sujeito cognoscente[4], fruto das sociedades tecnicistas e especializadas do capital;
5-   Da Tomada de decisões prejudiciais a si, aos outros e ao mundo em que se vive (biosfera) devido a um profundo desconhecimento de causas e efeitos, nos sentidos macro e micro;
6-      De Ações realizadas por meio de hábitos e/ou costumes, inclusive no que se refere a aspectos éticos e/ou morais;
7-      De Ações realizadas sob a influência das ações alheias;
8-       De Ações realizadas por meio de afetos ou sentimentos;
9-      De Ações realizadas por meio de crenças, convicções e/ou valores como se fossem estes ou estas absolutas verdades;
10-   De Ações realizadas por meio da satisfação de vontades como se elas fossem o mesmo que necessidades.
III
 Entretanto, vale ressaltar, a pedagofilosofia clínica não é composta apenas deste trabalho: compõe o seu universo e/ou eixo temático direto e indireto também muitos outros estudos e/ou pesquisas que culminaram em livros, alguns deles inclusive tendo sido traduzidos para outros idiomas, a saber:
1-   Pedagofilosofia: ética e estética da educação;
2-   Inteligência Transcendental;
3-   Aprender a aprender;
4-   Saber é poder: o básico que você precisa saber para não ser um alienado;
5-   Dez lições sobre derrotas e vitórias;
6-   A indústria da felicidade;
7-   Por que os pobres morrem pobres?
8-   Quem só trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro;
9-   Segredos da prosperidade;
10-               Criando prosperidade;
11-               Segredos da superação;
12-               Ser tudo o que se pode ser;
13-               As três transformações do espírito;
14-               O leão e a gazela: dialética do esclarecimento;
15-               Filosofia antropológica e educação: um estudo sobre o pensamento de Nietzsche e a cultura (tese de doutorado);
16-               Capitalismo, apologia da “vita activa” e dano existencial (dissertação de mestrado);
17-               Quem disse que os ricos não entrarão no céu?
18-               O que é aprender, ensinar e avaliar: teorias do conhecimento e da educação;
19-               Egocentrismo infantil na fase adulta;
20-               Sociedade corrompida: transgressão e arte racional da dissimulação;
21-               A sociedade dos ricos sem dinheiro;
E muitos outros.
IV
Palavras-chave: fenomenologia, Husserl, psicanálise, Kant, existencialismo, Kierkegaard, Heidegger, Sartre, clínica, Pedagogia, filosofia, pedagofilosofia, psicoterapia, psicologia, condição humana, Hannah Arendt, Nietzsche, EJA, alma.



[1] Filosofia Antropológica e Educação: um estudo sobre o pensamento de Nietzsche e a Cultura (tese de doutorado de Cleberson Eduardo da Costa).
[2] Idem.
[3] Levine, Donald.
[4] Ibidem.

FILOSOFIA DA LOUCURA - PSICOSE, NEUROSE E PERVERSÃO – Visão crítica a partir das filosofias antropológica e existencial-humanista

I
Quando se fala do homem em termos da formação estrutural da sua personalidade clínica ou psicopatológica (psicose, neurose e perversão), dados os relevantes estudos da antropologia, em especial a filosófica, descobre-se que:
1-   Qualquer cultura, em síntese, é apenas uma das muitas ou diferentes lentes através da qual determinado indivíduo vê e se relaciona com mundo;
2-   As diferentes culturas são apenas diferentes opiniões ou visões de mundo, corporificadas em modos diferentes de ser, de ver, de sentir, de dizer, de pensar e de existir;
3-   As diferentes culturas trazem em si as suas mais radicais, absurdas ou ditas inconcebíveis ideias de verdade ou normalidade quando comparadas e/ou confrontadas umas às outras.
II
A tentativa de uma globalização cultural, ou padronização de normas, valores e costumes, aos moldes da econômica, fracassou ou não tem tido o mesmo êxito. Ou seja, vemos um mundo hoje (no que se refere ao tratamento desumano dado aqueles que, fugindo de guerras civis etc. buscam auxílios em territórios estrangeiros) de regresso a nacionalismos e a formas xenófobas de existir e lidar com os diferentes e/ou as diferenças.
Nesse sentido, frise-se: a questão entre “psicopatologia versus normalidade” hoje não é e/ou não tem sido apenas de grau, como pensaram Freud e Lacan, mas também cultural, ética e/ou de valores.
Ou seja, indivíduos pertencentes a uma determinada cultura ou grupo, dado o caráter etnocêntrico e xenófobo das culturas, podem considerar loucos ou psicopatológicos os de outros se comparados a si.
Pense-se, por exemplo, no caso das brigas entre torcidas; nas guerras fundamentadas em diferentes concepções político-econômicas, morais ou religiosas; nos diferentes tipos de apartheids; nas diferentes formas de xenofobia; nos diferentes modos de desrespeito às diferenças; nas diferentes formas de se perceber ou encarar a vida de indivíduos que vivem em nichos culturais e socioeconômicos diferentes; nas formas machistas de muitos homens no mundo tratarem as mulheres; nas diferentes formas, às vezes deturpadas, de algumas mulheres viverem ou praticarem o que chamam de feminismo, etc.
Hoje, alvorecer do século XXI, pode-se dizer que o que (na maioria das vezes) tem acarretado desestrutura nas personalidades ou psicopatologias, muito além dos fatores ditos genéticos ou orgânicos, são aqueles oriundos:
1-   De choques culturais;
2-   De extremas desigualdades socioeconômicas;
3-   De competições e/ou comparações hierarquizadas entre indivíduos diferentes;
4-   De ideologias que pregam a meritocracia e o individualismo;
5-   De xenofobias ou de desrespeitos às diferenças e/ou aos diferentes;
6-   De ideias radicais ou ortodoxas que migram para a psique dos indivíduos como se fossem deles, possuindo-os, dando-os todavia a ilusão de serem os possuidores delas e/ou de estarem hiperconscientes, etc.
III
Nesse trabalho, sendo assim, falar-se-á sobre as diferentes estruturas clínicas ou psicopatológicas da personalidade (psicose, neurose e perversão), fundamentadas estas nas ideias de Freud[1] e Jaques Lacan[2]. Na mesma via, sob a égide de axiomas da fenomenologia e das filosofias antropológica e existencial-humanista, esboçar-se-ão visões críticas às ideias tecnicistas e/ou organicistas (homem-máquina) há tempos pré-concebidas e/ou difundidas como parâmetro de normalidade.
O autor



[1] Idem à nota 2.
[2] NASIO, J.D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Jorger Zahar Ed., 1995.

PSICANÁLISE DA MULHER PÓS-MODERNA - Crônicas, contos, ensaios & poemas


É fato que não somente os homens ditos tradicionais, mas também a sociedade patriarcal como um todo, incluindo-se aí muitas mulheres de cultura judaico-cristã, têm demonstrado certo desconforto, ojeriza, náusea e, na mesma via, criado resistências aos novos valores defendidos, vividos e compartilhados pelas mulheres ditas pós-modernas ou feministas. Alguns e algumas, por exemplo, as tem chamado de loucas, psicóticas, neuróticas, pervertidas e ateias; outros de vadias, libertinas, promíscuas, poligâmicas, etc. A pergunta é: As mulheres ditas pós-modernas e/ou feministas têm buscado romper com os valores da chamada sociedade patriarcal porque são libertinas, estão ficando loucas ou sendo possuídas por ideologias diabólicas e ateístas como muitos indivíduos de cultura judaico-cristã ou tradicional têm ainda hoje dito e/ou pregado? 
II 
A temática, como se pode perceber, é complexa. Todavia, pode-se com propriedade afirmar que o novo modo de vida (e valores) das mulheres ditas pós-modernas ou feministas não se trata (nem de longe) de um problema psicopatológico, e muito menos espiritual, etc., mas sim de natureza ético-comportamental, porque substanciado na busca por uma mudança de paradigma sociopolítico. Ou seja, substanciado na busca por uma maneira mais livre, igualitária ou considerada mais justa de existir, já que o homo sapiens, segundo pensam as mesmas, diferentemente de todos os outros seres, não está preso, como também preconizaram Hannah Arendt, Sartre e tantos outros pensadores contemporâneos, em uma natureza ou forma pré-determinista de ser ou viver, mas sim em uma condição humana. Em outras palavras, hoje, alvorecer do séc. XXI, tempo dito global, de novos paradigmas, de obsolescência programada, de constante reflexibilização da economia, e consequentemente de rupturas com a cultura catequizadora ou dita civilizadora ocidental, etc., é preciso reconhecer que tem coexistido e que ainda por muito tempo continuará a coexistir, na maioria das vezes de forma conflituosa, dois diferentes tipos de mulheres: as ditas tradicionais; e as ditas pós-modernas ou feministas. 
III 
Quais são, pergunta-se, além daquelas que já tem circundado no senso comum, as principais diferenças existentes entre elas? Pode-se dizer que são muitas. Mas que, resumidamente: 1- A mulher tradicional, como muitos sabem, é aquela, criada à imagem e semelhança da mãe, que, além de quase assexuada e sem desejo próprio, é vista e/ou coloca-se como santa, imaculada. Isto é, como aquela que, ao “padecer no paraíso”, não goza à vida (em todos os sentidos) porque sobrevive para realizar os prazeres ou desejos dos outros, incluindo-se aí os do dito marido e dos filhos, etc., uma vez que o seu destino era /ou é visto como sendo o de casar e procriar. 2- A mulher pós-moderna, ao contrário da tradicional, é a dita anti “status quo”, é a dita “anti santa”, é a mulher que, entre outras coisas, contrariando em muitos aspectos os valores da sociedade patriarcal, busca também viver e sentir prazer. Ela pode até ser mãe e dona de casa se quiser, mas isso está longe de ser uma obrigação ou imposição cultural. Ela é aquela que assume-se como dona do seu corpo e do seu tempo. Ela é aquela que faz ginástica para melhorar a saúde e se sentir mais bonita. Ela é aquela que está disposta também a fazer plástica se julgar necessário. Ela é aquela que busca ocupar, além do lar, outros espaços, principalmente os ditos profissionais, por meio da dedicação aos estudos, etc. Ela é aquela que, sob a filosofia do amor livre, a fim de não engravidar e/ou controlar a gravidez, faz uso da pílula anticoncepcional, da masturbação e de muitas outras práticas ditas não convencionais. Todavia, por mais paradoxal que possa parecer, ela é também aquela que ainda busca e/ou sonha encontrar a sua alma gêmea. No campo das conquistas, por exemplo, ela não espera mais ser escolhida: ela é capaz de tomar a iniciativa em relação à busca do par afetivo e/ou sexual desejado. 
IV 
O livro, um amálgama de crônicas, contos, poemas e ensaios, epistemologicamente fundamentado, aborda a temática da mulher dita pós-moderna ou feminista, mas sob a égide de diversos olhares. Ou seja: 1- Questiona os valores da sociedade patriarcal, assim como também às ideias tradicionais de loucura contidas nas obras de Freud e Lacan que muitas vezes têm sido utilizadas para classificá-las, confrontando as mesmas com a psicanálise existencial ou teoria filosófica existencial-humanista. E, ao mesmo tempo: 2- Defende (de forma epistemologicamente fundamentada) a ideia de que, por estarmos, enquanto espécie, imersos numa condição humana (muito além da ideia de natureza humana), é preciso que se respeite e dialogue com novas formas de existência que diminuam e/ou buscam dinamitar injustiças, violências ou desigualdades (especialmente em relação às mulheres). 
Espera-se que essa obra possa ser útil à formação de uma geração de homens e mulheres mais iguais, mais livres e felizes, porque também mais conscientes da necessidade de cultivarem o respeito e a tolerância em relação às suas diferentes formas de ser e/ou existir. 

O autor